Minha
Mãe
Minha
mãe, pra mim, é sol mesmo quando chove.
É
chuva, com direito a cheiro de terra molhada do quintal lá de casa, quando
tudo fica árido. Silêncio capaz de amansar ruídos que eu não sei como
fazer dormir. Voz que me ajuda a acordar esperanças quando elas ficam com
preguiça de levantar.
Uma
presença que sabe acender o meu ânimo quando o breu se esparrama.
Primavera
para o meu olhar, não importa qual seja a minha estação.
Um
perfume inigualável. Ela e as coisas todas do mundo dela.
Quando
chega, traz lembranças minhas que apenas ela reflete e apenas eu consigo
ver.
Uma
espécie de poema que o sentimento lê em voz alta somente para dentro.
Minha
mãe foi a primeira música que tocou no meu rádio.
A
primeira paisagem. A primeira pessoa que me falou sobre milagres e, sem
palavra alguma, me
contou sobre Deus. Uma história de amor.
Tanto
faz se, às vezes, desconcertado. Tanto faz se, às vezes, atrapalhado pela
mistura das coisas que são dela e das coisas que são minhas. Tanto faz se
aprendendo a amar junto comigo nesses bancos da escola.
Tem
vez que a gente demora para resolver alguns exercícios mais complicados,
mas a amizade que nos liga e construímos, página a página, sempre nos
orienta na busca das respostas.
Minha
mãe é maciez pra minha alma quando a vida se faz áspera e quando não. Um
lugar de conforto, onde eu posso ser. Amor, quando as minhas folhas
caem e quando floresço. A mesa sempre posta, até
quando sinto fome apenas de lembrar quem sou.
Estou
convencida de que ninguém me conhece melhor do que ela.
Sente
a emoção da vez, antes da minha voz.
Sente
quando omito alguma coisa, por mais sofisticados que sejam os meus
disfarces. Sente a atmosfera da inhas palavras, antes que eu consiga ou resolva
dizê-las.
Conhece
mais variações de sorrisos, silêncios e olhares meus e suas respectivas
mensagens do que suponho mostrar.
Ela
não me conhece assim porque é versada em psicologia.
Minha
mãe é versada em mim, desde quando eu ainda nem era eu direito.
Parece
ser especialista em previsões climáticas.
Chove,
quando não lembro do chapéu e ela diz pra eu não esquecer.
Faz
um frio absurdo, de repente, quando não levo o casaco e ela diz pra eu
levar. Geralmente costuma doer quando alerta que vou me machucar e eu não
ligo.
Ah,
sim, um bocado de vezes também exagera, erra na medida, lê seu oráculo de
cabeça pra baixo e com lente de aumento, seja lá por falha intuitiva ou
conveniência de seus receios maternos.
Mas
a verdade é que mãe parece mesmo ter um olhar diferente.
Capaz
de ver coisas que quaisquer outros olhos do mundo não sabem enxergar. Nem
os nossos.
Minha
mãe cantou para me fazer adormecer.
Ensinou-me,
com toda a paciência, a rezar para o meu anjo da guarda antes de
eu dormir e de levantar da cama.
Ensinou-me
a respeitar o espaço das pessoas, a ser educada com gente de toda
idade, a
ser cuidadosa com as plantas e os bichos, a não me apropriar de nada que
não me pertencesse.
De
mãos dadas, seguíamos pelas ruas e seguir de mãos dadas com ela pelas
ruas era uma espécie de festa que acontecia toda manhã.
Encapava
meus cadernos.
Perguntava
o que havia acontecido na escola quando percebia que eu havia
chorado, mas não contava para ela. De vez em quando, me surpreendia
com meus lanches preferidos enquanto eu assistia “Sessão da Tarde”:
bolo
“Ana Maria”, mingau de cremogema, bolinhos de chuva.
Minha
mãe costumava cantarolar, lá na cozinha, enquanto preparava o
almoço.
Nunca
soube se era também por isso que a comida ficava tão gostosa e tinha um
cheiro que eu não encontro em nenhum outro lugar.
Costurava
até altas horas da noite, fazia tricô, jogos de ráfia, enxoval para bebê,
para ajudar o
meu pai com as despesas, eu ficava por perto, ouvindo música, escrevendo
meus versos.
No
início da adolescência, desconcertada, me falou, do jeito dela, sobre
novidades que não sabia como me explicar.
E
quando eu sentia cólicas terríveis, lá estava ela, com seu chá de
erva-cidreira e as toalhinhas quentes que passava a ferro para pôr
sobre a minha barriga.
Às
vezes é preciso que o mundo dê algumas voltas e a gente amadureça um pouco
para ser capaz de
leituras mais amorosas sobre um bocado de coisas.
Leituras
com braços e coração mais abertos.
Nos
meus tempos de conga azul, cadernos com decalque, canetinhas silvapen,
merendeira com lanche Mirabel, lá pelos sete anos de idade, no início
daquilo que chamavam de “primário”, eu escrevia frases curtas que
me pareciam enormes, recém-alfabetizada que era.
Vocabulário
restrito, para falar sobre a minha mãe, escrevi várias vezes tudo o que eu
podia: “Minha mãe é bonita”.
Atualmente,
tenho muito mais do que sete anos e, ao longo das décadas, aprendi a
escrever frases
mais elaboradas, mas esta continua sendo perfeita.
Para
os meus olhos, as belezas que ela tem são ainda maiores, bem maiores,
agora, olhando daqui.
Ana Jácomo